terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

O dia em que comi castanhas com o guitarrista do Guns N’ Roses

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Às vezes me pego pensando na época em que fui repórter e tudo o que consigo sentir são calafrios. Não que eu tenha odiado 100% daquilo, mas por alguma razão hoje só consigo lembrar da ansiedade que eu sentia todos os dias e de como fui descobrindo aos poucos que talvez aquilo que eu tinha certeza que era para mim talvez não fosse. 

Não sei se foi culpa do jornal que eu trabalhei, das pessoas com quem eu trabalhei ou da cidade na qual eu trabalhei, mas aquela experiência que durou somente um ano e meio me trouxe uma verdade difícil de engolir: a de que talvez eu não achasse tão divertido assim ser repórter.

Um dos momentos que recordo com mais pânico e sudorese nas mãos foi quando o Guns N’ Roses tocou em Florianópolis, em 2014, com aquela formação de músicos contratados. Como repórter de cultura e mais ligada à música que os meus colegas, fui designada a cobrir a passagem da banda pela cidade. Eu sabia que não iria entrevistá-los porque quem fazia isso era sempre o jornal concorrente, que tinha circulação estadual. O que eu faria era uma reportagem pré-show, convidando alguns fãs da banda para uma espécie de jogo de perguntas. 

Nos reunimos em um bar de rock, que abriu num horário especial somente para nós, fizemos o combinado e uns dias depois, na semana do show, saiu a reportagem de duas páginas. Depois disso, o único que me restava era ir ao show e escrever sobre ele. Eu nem gostava de Guns N’ Roses, mas estava empolgadíssima.

Naquele dia eu não fui trabalhar pela manhã na redação, que era meu horário habitual, justamente porque à noite teria que ir ao show e escrever o texto em casa, na volta. Ao meio-dia almoçava tranquila assistindo tv quando minha editora ligou avisando que a banda estava no Hotel Majestic dando entrevistas para o outro jornal e pediu que eu fosse lá e tentasse conseguir alguma coisa. “Agora?”, perguntei. “Agora”, ela respondeu.

Por alguns segundos meu coração tinha deixado de bombear sangue para o resto do corpo. Eu estava congelada. Como eu poderia entrevistar o Guns N’ Roses sem me preparar antes? Sem pensar nas perguntas? Sem pensar nas perguntas EM INGLÊS. E como eu faria aquilo com o meu inglês que já não era grande coisa e ainda nervosa e despreparada? Axl cuspiria na minha cara. Mas me vesti e fui.

No caminho comecei a anotar em inglês, com ajuda do Google, alguns assuntos que me ocorreram graças à reportagem que tinha feito uns dias antes e que acabou me trazendo algum conhecimento sobre a banda.

Quando cheguei ao hotel, encontrei a fotógrafa que o jornal tinha mandado para me acompanhar. Entrei no saguão e não vi ninguém que pudesse me responder como ter acesso à banda, então simplesmente segui em direção a um grupo de gente que claramente era da imprensa. Eles estavam atrás de uma fita de isolamento e eu continuei andando como se estivesse autorizada a estar ali, até que apareceu uma moça de uma assessoria de imprensa conhecida. Ela olhou para o meu crachá do jornal e disse que infelizmente eles só dariam entrevista ao outro veículo e que na verdade naquele momento só Dizzy Reed ainda estava ali, os outros já tinham ido embora. 

O que para muitos poderia ser uma grande decepção, para mim foi um alívio. Liguei para a minha editora e contei o que tinha acontecido. Ela disse para eu ir pra casa, mas que dentro de algumas horas o guitarrista Bumblefoot daria um workshop de guitarra numa escola de música perto de onde eu morava e que eu deveria tentar de novo uma entrevista, ainda que fosse só com ele. Aquele pesadelo não tinha fim.

Passei toda a tarde suando frio, mas pelo menos pude me preparar um pouco melhor. Saí de casa meia hora antes do workshop. Cheguei na escola de música, me apresentei e disseram que o jornal já tinha ligado para avisar que eu ia. Em seguida chegou outro fotógrafo enviado pelo jornal.

Perguntei ao diretor da escola se ele achava que eu conseguiria entrevistar o Bumblefoot uns minutos antes do workshop e para o meu desespero ele disse que achava que não teria problema, mas que iria perguntar ao próprio Bumblefoot se ele topava. Caminhou uns dois metros por um corredor, bateu numa porta e a abriu em seguida. Ficou menos de um minuto lá dentro e voltou dizendo que eu podia entrar. 

Respirei fundo, liguei o gravador do celular e entrei na salinha tremendo com o bloquinho de perguntas na mão. “Hi, Ron! I don't wanna bother you” foi o primeiro que me ocorreu dizer. Ele estava comendo castanhas de caju e foi muito simpático, me ofereceu, comi duas e disse que estavam boas. Isso é tudo o que eu lembro daquele momento. Eu estava tão nervosa que nunca escutei a gravação, escrevi a matéria de memória em 20 minutos assim que cheguei em casa, e apaguei a gravação para sempre. Sem jamais tê-la ouvido. Meu pânico era tão grande que eu sabia que se ouvisse aquilo alguma vez me transportaria novamente para aquele momento. 

Não devo ter ficado nem cinco minutos naquela sala. O fotógrafo fez umas fotos dele e logo sugeriu que tirássemos uma juntos. Nos despedimos e saí, ainda tremendo, em direção ao salão onde ele daria o workshop. Assisti a metade e fui pra casa escrever a matéria e me preparar para o show que seria dentro de três horas. 

Avisei a minha editora que tinha conseguido falar com ele e que enviaria a matéria em seguida. Agora, finalmente, só restava a parte boa: ver o show e escrever sobre ele. 

Por sorte o resto do dia saiu como o esperado. A única surpresa foi eu ter gostado de verdade do show. 


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