sábado, 30 de janeiro de 2021

Nunca conheça o seu ídolo

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E se ele já estiver morto, não leia sua biografia. Sério.

Ou leia, mas prepare-se para descobrir que ele é uma pessoa. Igual a você. Agora pense na quantidade de merda que tu já fez na vida. Pois então, teu ídolo é desses. O também meu era. 

Já faz mais de uma semana que terminei de ler a biografia do Gustavo Cerati e ainda não consegui me recuperar. Não só porque eu descobri que ele era um ser humano, mas porque de repente a morte dele, que sempre me fez mal, me destruiu um pouco mais. Apesar de eu só ter me tornado fã quando ele já tinha morrido, nunca aceitei a sua morte. Me parece injusta. Comigo, com as outras pessoas que gostam dele, com o Benito, com a Lisa, com a dona Lillian e com ele mesmo, apesar de não ter colaborado muito para continuar vivo.

Eu não conhecia muito da vida pessoal de Gustavo, sabia que tinha tido dois filhos com uma modelo chilena e que o mais velho tem uma banda, mas nem metade do talento do pai. Sequer conhecia muitos detalhes de como seu cérebro, e anos depois o seu corpo, deixaram a Terra. E agora acho que sei até demais.

Gustavo fez um monte de merda, como todo mundo. Merdas muito particulares, como sair com menores de idade quando já tinha passado dos 24, trair basicamente todas as suas namoradas, que não foram poucas, e até talaricar pretendentes e ex-namoradas do baterista da sua própria banda. Saber dessas coisas foi um pouco chocante, principalmente porque muitas dessas mulheres tiveram um papel importante nos discos e no estilo do Soda Stereo e dele mesmo como artista solo. Isso faz com que seus relacionamentos não sejam um detalhe menor, não são algo pessoal que o mundo poderia simplesmente ignorar. Inclusive sua morte teve muito a ver com isso.

Quando Gustavo entrou em coma tinha 50 anos e uma namorada de 22. Anos antes ele havia sido diagnosticado com trombose e tinha começado a se cuidar porque sabia dos riscos de sofrer um AVC. Mas a partir do momento em que os sintomas começaram a melhorar, mandou tudo à merda. Voltou a fazer turnês longuíssimas, a beber, fumar dois maços de cigarro por dia e a ser sedentário. O livro não diz isso com todas as letras, mas estar namorando uma modelo quase 30 anos mais nova de alguma forma o pressionou a acompanhá-la em sua juventude e esse comportamento foi letal.

Ler a parte final do livro, que narra exatamente como foi o AVC depois do último show da turnê do disco Fuerza Natural, na Venezuela, e os mais de quatro anos em que esteve em coma, terminou de me destruir. Eu estava tão entorpecida pela vida de Gustavo que uma parte do meu cérebro, enquanto eu lia, desejava que ele se recuperasse logo e saísse daquele hospital, como se eu estivesse lendo uma obra de ficção na qual eu não soubesse o final.

E como se não bastasse, agora tudo me faz lembrar dele. Gustavo morou em Belgrano, meu bairro, em diferentes apartamentos e casas, durante grande parte da sua vida. Lendo o livro descobri que já passei várias vezes em frente a um dos edifícios que ele morou na rua José Hernandez. Que a algumas quadras do parque onde vou caminhar de vez em quando fica outro apartamento que ele viveu por muitos anos. Que a uma quadra de onde eu passo de ônibus para ir trabalhar, na Zona Norte, fica o estúdio que ele montou para gravar seus últimos discos. E que as barrancas de Belgrano eram o ponto de encontro para que ele e o baixista Zeta Bosio fossem ensaiar na casa do baterista Charly Alberti, que fica em Belgrano R, no começo do Soda Stereo. 

E agora para mim é como se ele tivesse morrido duas vezes.

2 comentários:

  1. Passei os ultimos dias imersa conhecendo Soda Stereo e Gustavo. Me apaixonei e quando soube que ele ja tinha morrido, parece que tinha perdido o meu idolo que mal conheço. E eu ando tão envolvida com ele que passo o dia inteiro cantarolando suas musicas e imaginando como ele era, como seria seu show ao vivo. Eu sabia que minha fantasia romantica poderia ser destruida e seu post foi a constatação hahaha. Quero muito ler essa biografia! Obrigada por compartilhar esse texto!

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    1. Foi triste constatar que ele não era esse ser de luz que eu imaginava.
      É que é foda, ele escreveu todas essas músicas tão geniais, então gente fica achando que ele nem era humano, mas infelizmente sim hahaha

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