quarta-feira, 30 de maio de 2018

Vimos as pernas de Steven Wilson


Estaria ficando doente já na sexta-feira? Porque domingo disseram que ele estava doente. Será que o barulho dos foguetes e tambores de 25 de Maio incomodaram muito? Teria acordado cedo por causa disso e não estava com o melhor dos humores? Ou foi a questão da casa de show, que tinha um espaço muito pequeno pro telão e ainda tiveram que usar aquela cortina horrorosa? Porque ele reclamou disso depois da segunda música.
Estive pensando nisso nos últimos dias, como uma monja budista, cheia de empatia e compreensão ao próximo, com o coração aberto para perdoar e jamais julgar alguém porque não fez algo que eu esperava.
Depois de mais de cinco horas em pé na frente do hotel, em um pequeno (grande?) surto fanático-adolescente, Steven Wilson passou reto. Reto. A menos de meio metro de mim. Quase podia sentir seu hálito e ver seus olhos detrás dos oclinhos escuros. Entrou na van e se foi. Só restou o silêncio e os olhares de quem não podia acreditar no que tinha acabado de acontecer. Logo, as perguntas e os insultos mais ou menos respeitosos, porque, afinal de contas, o amamos mais que a nós mesmos.
Às 10h45 eu era a terceira a chegar na porta do hotel. Depois de algumas horas já éramos 10 e não passava muito disso às 16h, quando ele e a banda entraram na van com seu tour manager - que acreditava ser a própria rainha da Inglaterra - para fazer a passagem de som. Por cinco horas fomos todos amigos, compartilhamos os mesmos sentimentos, inclusive a fome. Fomos amigos desde o momento em que Steven apareceu no saguão vestindo bermuda e camiseta, fingindo amavelmente que não via um grupo de pessoas do lado de fora com discos nas mãos, e subindo rapidamente as escadas em direção ao seu quarto. Talvez a primeira pequena decepção daquela sexta-feira fresca.
Pouco tempo depois desceu o baterista Craig Blundell, que saiu pela porta mais ou menos despercebido e 10 minutos depois voltou, também discretamente. Como eu não tinha nada a perder nessa vida e ele nunca ia visualizar mesmo, mandei uma mensagem por Intsagram.

“You didn’t stop to talk with us :(“

A vida às vezes nos prega umas rasteiras, e esse foi o dia oficial das rasteiras da vida, pelo visto. Fato é que em menos de 20 segundos a mensagem tinha sido visualizada e em menos de um minuto chegou a resposta.

“I will come say hi now”

Avisei aos meus novos amigos e em uns minutos Craig estava lá com a gente, assinando discos, tirando fotos, falando sobre como desistiu de dar uma volta na cidade por causa da bagunça de 25 de Maio e explicando que não sabia se Steven ia descer pra falar com a gente, porque estava dando uma entrevista e entre 3h e 4h iam sair pra fazer a passagem de som. Depois foi a vez do tecladista Adam Holzman aparecer, tirar uma foto DA gente e logo com cada um de nós.
Em um golpe de distração, de repente podíamos ver no fundo do saguão, no bar do hotel, sentado em uma cadeira de costas para nós e de frente para o baixista Nick Beggs, Steven Wilson. Já eram três da tarde e agora tínhamos o coração cheio de esperança de que depois de almoçar ele sairia para falar com a gente. Quando se levantaram, no entanto, quem saiu foi Nick Beggs, que foi simpático como os outros dois. Apesar das nossas súplicas, Steven novamente subiu as escadas e desapareceu.
A van branca finalmente estacionou na porta do hotel e com ela um gordo manco que imaginamos ser o tour manager, já que de maneira pouco polida nos mandou sair da porta e não tentar se aproximar de Steven. Disse que se a gente tentasse tirar uma selfie ele não faria o show, o que nos causou um pouco de graça. O gordo saiu e entrou algumas vezes e sempre repetia um discurso parecido. Quando faltava cinco minutos para Steven sair do hotel, mandou até um fã de uns 70 e poucos anos levantar do sofá em que estava no saguão e ficar lá fora em pé com a gente, sem tentar se aproximar de Steven.
Como eu estava sendo adolescente anyway, resolvi resgatar a rebeldía de outrem. Me posicionei muito perto da porta da van, e quando ele estava por entrar estiquei meu braço com o disco e uma caneta. “Please Steven!”. No que o gordo me empurrou com seu braço branco e flácido dizendo “I’ve told you” e recebendo um “asshole” como resposta. A porta da van se fechou, o motor arrancou e ficamos ali, sem acreditar no que tinha acontecido. Ou no que não tinha acontecido. À noite teríamos um show de três horas pela frente e cada um foi para um lado, carregando a incredulidade no semblante.
O cansaço e a frustração tinham arrancado de mim toda a vontade de ir cedo ao show para conseguir um bom lugar, então quando chegamos a fila era quilométrica e as portas estavam por abrir. No fim, acabei conseguindo um lugar razoável e pude ver-lo outra vez de perto. A cada música meus sentimentos se desencontravam mais. Eu o odiava, e com alguma razão, mas como eu poderia não amar Steven Wilson?
Quando acordei no sábado minha vida não tinha mais muito sentido. Fazia seis meses que eu contava os dias para esse 25 de maio.

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